Tentativa de Esquerda no México?
Candidato favorito à presidência do México nas eleições, o populista de centro-esquerda Andrés Manuel López Obrador, captura a insatisfação da população com a corrupção e a violência.
México realizou sua eleição
presidencial mais importante em duas décadas, tendo como pano de fundo um
quadro contraditório. De um lado, o meio empresarial do país comemora os
indicadores da economia mexicana, que acumula 33 trimestres de crescimento consecutivo.
A aprovação de reformas pró-mercado em 2013 ajudou a atrair investimentos
externos, a reduzir a taxa de desemprego (de apenas 3,4%) e a ampliar as
exportações, que somaram 400 bilhões de dólares em 2017 – quase o dobro das
brasileiras. Se a economia vai bem, por outro lado, o México parece uma nau à
deriva em emio aos escândalos de corrupção e uma violência descontrolada. De
2006 para cá, mais de 220.000 pessoas foram assassinadas no país.
Nesse cenário conturbado – que
inclui ameaças do presidente americano, Donald Trump, de erguer um muro na
fronteira entre os dois paídes e abandonar a NAFTA, tratado de livre comércio
responsável por metade das exportações mexicanas -, brilha um candidato
populista que promete peitar Trump, combater a violência e enquadrar corruptos:
Andrés Manuel López Obrador, de 64 anos, oposicionista de centro-esquerda,
conhecido pelas iniciais de seu nome, AMLO. Apontado como favorito pelas
pesquisas, Obrador concorre pelo Movimento de Regeneração Nacional (MORENA),
partido que criou em 2014, cujo nome exótico reflete sua principal bandeira, a
luta contra a corrupção. Com o dobro das intenções de voto em relação ao
segundo colocado, o conservador Ricardo Anaya, do Partido de Ação Nacional
(PAN), Obrador ainda tem a favor o fato de a eleição ser disputada em apenas
segundo turno. AMLO aparece com 40% nas pesquisas, com confortável vantagem
sobre os 20% de Anaya. O candidato do governo, José Antonio Meade, do Partido
Revolucionário Institucional (PRI), tem 13%.
Articulado e carismático, Obrador
iniciou carreira política liderando uma organização de apoio aos índios no
estado de Tabasco, no sul do país, mas só ficou conhecido nacionalmente depois
de ter sido eleito prefeito na Cidade do México, em 2000. Marcou sua gestão
pelo equilíbrio do orçamento. Durante o mandato, eliminou cargos supérfluos e
deu o exemplo morando num apartamento modesto e dirigindo o próprio carro.
Deixou o cargo em 2005 com 80% de aprovação.
O candidato mexicano López
Obrador: ele tem 40% das intenções de votos. (FOTO: THE INDEPENDENT )
Outros fatores explicam o
favoritismo de Obrador, que concorre à Presidência pela terceira vez. Um deles
é o desgaste enfrentado pelo atual presidente, Enrique Peña Nieto, do
tradicionalíssimo PRI – partido que governou o México de 1940 até 2000,
voltando a perder em 2012. Depois de costurar um acordo no Congresso para
aprovar reformas que abriram a economia do país, Peña Nieto manchou seu mandato
com escândalos de corrupção em série, incluindo a compra milionária de uma
mansão de um empreiteiro ligado ao governo. Também fracassou nas promessas de
acelerar o crescimento econômico e reduzir a violência. Com 69% de
desaprovação, Peña Nieto tornou inviável a chance de Meade, o candidato do PRI.
Segundo analistas, a vantagem de
Obrador nas pesquisas reflete o colapso do sistema político-partidário
mexicano, afetado pela corrupção. A Justiça é omissa e o Congresso atua como um
balcão de negócios, assim como no Brasil. De acordo com a ONG Transparência
Internacional, o México está na 135ª posição entre os 180 países avaliados
pelos índices de percepção de corrupção, situando-se entre os mais corruptos do
mundo (o Brasil está em 96°). Para a cientista política mexicana Ivonne Acuña,
da Universidade Iberoamericana, essa é a principal causa do sucesso de um
candidato populista, como Obrador. “Partidos como PRI e PAN, que ocuparam o
poder, perderam a credibilidade a ponto de comprometer o crescimento econômico,
a redução da pobreza e ao combate à violência, as grandes preocupações da
população”, diz Ivonne.
A cultura da propina ofuscou até
as boas iniciativas do presidente Peña Nieto, como as reformas econômicas. O
pacote de 11 medidas pró mercado teve impacto nos setores de energia,
telecomunicações e educação. O novo modelo energético, incluindo o fim do
monopólio da Pemex (a estatal do petróleo), deve atrair 175 bilhões de dólares
em investimentos no setor nos próximos anos. Na área de telecomunicações, a
nova regulamentação enfraqueceu o poder do magnata da telefonia Carlos Slim,
dono da América Móvil: as tarifas de telefonia caíram pela metade e o número de
mexicanos com acesso à banda larga móvel triplicou. Já a reforma educacional
ampliou os investimentos em escolas. Os feitos positivos de Peña Nieto
terminaram aí. As negociatas no Congresso para aprovar medidas, incluindo
distribuição de cargos, aliadas à má gestão fiscal, corroeram seu capital
político.
Durante a campanha, AMLO explorou
o desgaste dos últimos governos. Ele iniciou a campanha caprichando no discurso
populista. Prometeu reduzir o próprio salário, vender o avião presidencial,
transformar a residência oficial de Los Piños num parque público e “reavaliar”
parte das reformas econômicas. Depois de trocar farpas com grandes empresários
ligados a Peña Nieto – acusando-os de fazer parte de uma “máfia do poder” -,
Obrador baixou o tom. Ao melhor estilo “Lula Paz e Amor”, AMLO divulgou em
abril uma Carta ao Povo Mexicano e prometeu liderar um governo com rigor fiscal
e respeito à autonomia do Banco Central e à propriedade privada. “Obrador não deve
alterar a política fiscal nem a monetária e dificilmente vai mexer nas
reformas, no máximo vai colocar obstáculos para a implementação”, diz a
economista Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos
da Universidade de Johns Hopkins, em Washington.
A guerra contra os cartéis
Outra prioridade é o combate à
violência, que cresceu desde o início dos anos 2000, resultado do
fortalecimento dos carteis de drogas mexicanos. O problema se agravou em 2006,
com a decisão do governo de Felipe Calderón de usar o Exército para
combatê-los. “Se antes a violência era mais limitada à disputa entre os
cartéis, Calderón abriu uma nova frente de confronto e os cartéis passaram a
atacar o Estado”, diz o cientista político americano Benjamin Lessing, especialista
em violência na América Latina da Universidade de Chicago. Em 2008, Calderón
foi além e decidiu priorizar a prisão dos chefões dos cartéis. A medida,
visando enfraquecer o narcotráfico, criou um novo problema: sua fragmentação,
com pequenos grupos tentando ocupar o espaço dos cartéis. Peña Nieto, que se
elegeu em 2012 prometendo diminuir a violência, não conseguiu modificar o
quadro. Antes de Calderón, havia apenas sete cartéis no país. Hoje, são mais de
400 grupos, que diversificaram as atividades para além do tráfico de drogas,
com participações de policiais locais e milícias.
Desde 2006, foram empregados 50
Bilhões de dólares no combate à criminalidade, com poucos resultados – no ano
passado, foram registrados 27 mil homicídios, um recorde no país (no Brasil,
foram 59 mil). Os candidatos acenam com propostas vagas ou de difícil
implementação. Anaya, por exemplo, prometeu “desmantelar, não apenas decapitar”
os cartéis. Obrador sugeriu uma anistia aos chefões do narcotráfico para
reduzir as matanças. Diante da reação negativa, recuou e propôs um perdão a
cultivadores de maconha e papoula e a traficantes não violentos. O que Obrador
sugere é um tipo de acerto como o que foi feito com os cartéis da Colômbia nos
anos 80: punir com mais rigor os assassinos e com menos o traficante que apenas
vende drogas no varejo.
Com a vitória no horizonte,
Obrador passou as últimas semanas negociando alianças com outros partidos,
incluindo um evangélico, para assegurar maioria no Congresso. Seu objetivo é
aprovar emendas constitucionais, entre elas para modificar a parte da reforma
energética e introduzir mecanismos de democracia direta, como o referendo para
revogar o mandato do presidente para cada três anos – proposta vista como
manobra para contornar o veto constitucional à reeleição. Questionado se
pretende governar além do mandato de seis anos, Obrador apela ao populismo:
“faço apenas três promessas aos mexicanos: jamais vou roubar, jamais vou mentir
e jamais vou trair o povo”. Ele não é o primeiro nem será o último líder
latino-americano a fazer essas promessas.
A violência e o voto
O debate sobre as políticas de
segurança pública faz com que as eleições faz com que as eleições mexicanas se
assemelhem à votação para o próximo presidente do Brasil, em outubro.
Alguns temas que mobilizam o
debate eleitoral presidencial no México, como violência e polarização política,
também estão presentes na campanha eleitoral de outros dois países
latino-americanos que elegem um novo presidente neste ano, o Brasil e a Colômbia.
A economista brasileira Monica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins, nos
Estados Unidos, vê semelhanças no momento atual do México e Brasil, como a
preocupação com a corrupção e violência, a frustração com o establishment
político e o desejo de mudanças pela população. Mas não acredita que a eleição
mexicana possa influenciar a brasileira. “O Brasil está tão polarizado que
dificilmente vai olhar para fora para tirar alguma lição. Além disso, não temos
nenhum candidato no centro político com pulso firme, principal característica
do candidato favorito no México, López Obrador’, diz ela.
Em outros temas, é
possível traçar paralelos. No México e no Brasil, a violência aparece nas
pesquisas como assunto prioritário na eleição, mas é abordada com pouca profundidade
pelos candidatos. O cientista político americano Benjamin Lessing atribui isso
ao fato de a violência ser um tema que foge da discussão ideológica entre
esquerda e direita. No caso do Brasil, Lessing cita uma novidade que deverá
alimentar o debate na campanha. Até a última eleição, o combate à violência era
atribuição dos estados. “A segurança pública está sendo federalizada, e não só
por causa da intervenção do Exército no Rio. Os líderes das grandes facções
criminosas estão detidos no sistema penitenciário federal”, diz ele. O próximo
presidente terá de lidar diretamente com o problema. O mesmo fenômeno ocorre no
México, que teve a campanha eleitoral marcada pelo assassinato de mais de 100
candidatos locais. “Obrador deve ganhar por seu discurso anticorrupção, e não
por sua proposta para reduzir a violência”.

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