A Lição de Temer
O governo ignorou todas as boas práticas de negociação. A conta: 13 bilhões de reais em gastos extras e o risco de manchar (de novo) a imagem da Petrobrás
Temer: sem popularidade e sem preparo para enfrentar a greve. (FOTO: JUNDIAÍ AGORA )
Há dois modos de interpretar a
declaração feita no dia 28 de maio pelo então Ministro da Casa Civil, Eliseu
Padilha, de que o governo venceu a greve dos caminhoneiros. E nenhum é muito
reconfortante. O primeiro é que o governo decidiu experimentar essa via de
comunicação que tem sido tão usada ultimamente, a prática das notícias
exageradas, alternativas – ou simplesmente falsas. O segundo modo de
interpretar a declaração é mais benévolo, mas igualmente inquietante: a escala
que o governo usa para definir o que é vitória está completamente desregulada.
Em qualquer um dos casos, pode-se
afirmar que pelo menos nesse episódio o presidente Michel Temer (a quem cai a
responsabilidade última pelas ações do governo) não demonstrou sua propalada
qualidade de ser bom negociador. Ele não está sozinho nessa dificuldade. Nos
EUA, o presidente Donald Trump, que se auto intitula um especialista na arte de
negociar, tornou um hábito declarar vitória após grandes recuos – como no
recente embate com a China, quando, depois de alardear que exigiria um gasto de
200 Bilhões de dólares extras por ano em produtos americanos e receber como
resposta um inequívoco não, aceitou um acordo que alude a um vago compromisso
de comprar uma não especificada quantidade de bens produzidos nos Estados
Unidos.
Ou como no caso da Coréia do
Norte, em que atropelou a diplomacia marcando uma reunião de cúpula pelo
Twitter para suspendê-la ante alguns desrespeitos do “líder supremo” Kim
Jong-un a seu governo. Ou o caso do muro na divisa com o México, que ele ainda
insiste que será construído e pago pelos mexicanos; ou pela rejeição de acordos
tachados de “péssimos”, como o da desnuclearização do Irã, o acordo de Paris
para deter o aquecimento global e, possivelmente, o Nafta, de livre comércio
com o Canadá e México, sem viabilizar alternativas.
A lista é enorme.
Mas, se atingiu o mesmo ponto que
Trump (chamar derrotas de vitórias), Temer chegou ali pelo caminho oposto. O
estilo de Trump é buscar o confronto. Xingar. Bater com o bastão na mesa.
Mostrar-se forte para intimidar o adversário e força-lo a aceitar seus termos.
No caso da coreia do Norte, deu a entender, inclusive, que poderia usar armas
nucleares.
Temer, na negociação com os
caminhoneiros, foi tépido. Ante críticas de ter permitido que os grevistas
dominassem as discussões, respondeu sem citar a greve diretamente: “Alguns
confundem, e digo isso com letras garrafais, diálogo com eventual leniência
política, fraqueza. O diálogo é da própria essência da democracia, é a sua
fortaleza”.
O diálogo, porém, teve
primordialmente uma única via – como admitiu o próprio presidente, em 29 de
maio, em entrevista à TV Brasil, afirmando ter cedido tudo o que era possível.
“Esprememos todos os recursos governamentais para atender os caminhoneiros e
para não prejudicar a Petrobras”, disse. “A essa altura, não temos mais como
negociar o que fornecer”. E concluiu dizendo ter “impressão” de que em um ou
dois dias a situação estaria normalizada. Ninguém leu o manual? Num confronto
que poderia culminar numa grave crise de abastecimento (como acabou ocorrendo),
em vez de seguir à risca as boas práticas de negociação, o governo decidiu
riscar boa parte do manual da disciplina.
Especialistas dizem para não ceder sem levar algo em troca. E usar o
tempo a seu favor. o governo fez o contrário
Trump: assim como Temer, ele chama derrotas de vitória. (FOTO: VOX)
Uma das regras bem estabelecidas
por especialistas é jamais ceder sem levar algo em troca. Outra é usar o tempo
a seu favor. O que o governo fez foi o contrário. Deixou que a situação
chegasse a um ponto em que cada dia de greve representava uma agonia. E cedeu,
tudo, sem garantia de que o movimento teria fim.
De acordo com G. Richard Shell,
um dos mais conceituados especialistas em negociação, o sucesso de uma negociação
depende até 90% da preparação dos negociadores. Ele é autor do livro “Negociar é Preciso” – cujo título
original, “Bargaining for Advantage” (na
tradução do inglês, “Barganhando por
Vantagem”), dá uma noção mais clara do embate a que os negociadores estão
sujeitos. O mesmo conceito dá base ao best-seller “Pré-suasão”, do psicólogo Robert Cialdini. O neologismo do título é
um recado de que a persuasão ocorre antes mesmo do encontro. Cialdini fala
especialmente de marketing, mas suas ideias se aplicam igualmente à mesa de
negociação.
Por essa ótica, o governo temer
já entrou no confronto em desvantagem: seus baixos índices de popularidade
indicam uma dificuldade atroz em “pós-suadir”. Deepak Malhotra, professor da
escola de negócios de Harvard e autor de “Acordos
Quase Impossíveis”, afirma que a qualidade mais importante de um negociador
é a empatia. Ele precisa entender os interesses, as limitações, as alternativas
e o ponto de vista dos demais envolvidos na negociação. O governo brasileiro
teve empatia, no sentido de ser gentil e generoso com os grevistas. Mas não é
disso que se trata, segundo malhotra. A empatia é necessária para atingir os
próprios objetivos. Trata-se de compreender o que move seus interlocutores,
para estruturar um acordo viável. Sem isso, não é possível saber quanto poder
se tem para negociar com eles.
Outro especialistas, Adam grant,
professor da escola de negócios de Wharton, recomenda o livro “Dar e Receber” que você entre numa
negociação sabendo seu preço-alvo e as condições em que você desistiria de
chegar a um acordo. Ao que tudo indica, o governo não tinha um preço-alvo.
Aparentemente também, entrou nas negociações sem um Batna, conceito primordial
de William Ury, coautor do primeiro best-seller da disciplina, “Como chegar ao Sim”. Batna significa
“melhor alternativa a um acordo negociado”, das iniciais da frase em inglês.
Quer dizer que você deve ter em conta qual a melhor opção caso a negociação não
dê certo. Ele representa seu limite inferior de acordo. Pela lógica, você não deveria
aceitar termos piores do que poderia obter sem negociação nenhuma.
Não se pode dizer que o governo
tenha feito isso. Uma alternativa às negociações seria colocar a polícia (e,
provavelmente, as Forças Armadas) nas ruas para reabrir estradas à força – com
alto risco de consequências bem piores do que ceder às exigências dos
grevistas. O problema é que a solução para a greve dos caminhoneiros abriu as
portas para outros movimentos. Ao dar sinais de fraqueza (por mais que a chance
de “inclinação ao diálogo”), deu a entender que qualquer categoria com
suficiente poder de pressão pode conseguir o que quiser.
O contraponto mais eloquente para
a tibieza com que o governo tratou as demandas dos caminhoneiros é a mão de
ferro com que a então primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, lidou com
a greve dos mineiros nos anos de 1984 e 1985. Curiosamente, quando a greve
acabou, Thatcher não cantou vitória. Disse apenas que estava
extraordinariamente aliviada. À pergunta sobre quem ganhou e quem perdeu ao final
daquela tão longa paralisação, ela respondeu que, se havia algum vencedor, eram
os “mineiros, que continuaram trabalhando, os trabalhadores que mantiveram as
atividades e impediram o país de parar”. Claro que não havia necessidade de
dizer que havia vencido. O mundo inteiro sabia que Thatcher não apenas ganhara
a parada contra os mineiros, ela tinha dado um golpe incapacitante em todo o
movimento sindical – que desde a década anterior fazia sucessivos governos de
reféns, com exigências que faziam sentido em cada caso, mas, no conjunto,
paralisavam a economia.
Não é sensato, no entanto,
acreditar que bastaria repetir, aqui, as atitudes que deram certo no caso
britânico. A maior diferença era que Thatcher estava preparada para o
confronto. Pode-se até considerar que ela havia sido eleita para, exatamente,
travar essa batalha. Sob o comando do Partido trabalhista, os sindicatos
ganharam tanto poder que suas reivindicações por melhores salários e condições
de trabalho contribuíram para tornar a indústria do país cada vez menos
competitiva, numa economia que se tornava cada vez mais global. E então,
fazia-se um círculo vicioso: o país tinha menos possibilidade de atender às
demandas, as condições de trabalho pioravam... e as demandas aumentavam. E os
sindicatos ficavam mais intransigentes. Naquela década, o Reino Unido perdeu o
equivalente à produção anual de mais de 60.000 trabalhadores em razão de greves
e paralisações.
Nesse clima, Thatcher se elegeu
com uma plataforma de reformas de um mercado de trabalho rígido e pouco
competitivo. Não só Thatcher não foi pega de surpresa (e seu governo estocou
carvão para não ficar refém dos mineiros) como a greve pouco tempo depois da
rápida e fulminante vitória britânica na Guerra das Maldivas, contra a
Argentina. Antes daquela guerra, pouca gente acreditava que Thatcher ficasse
mais um ano no poder; após a vitória militar, sua popularidade subiu 10 pontos
percentuais, ficando à frente de trabalhistas e social-democratas – e
pavimentando o que seriam seus 11 anos de governo.
Foi fácil para Thatcher,
portanto, usar um discurso de guerra contra os mineiros. Literalmente, ela
afirmou que enfrentava os inimigos “de fora”, agora era o momento de enfrentar
os inimigos “de dentro”. Não titubeou em convocar a polícia para reprimir
piquetes. Além disso, os mineiros não conseguiram fazer uma assembleia nacional
e, por isso, a greve foi declarada ilegal – o que permitiu manter algumas
regiões produzindo energia para o país.
Nenhuma dessas condições estava
disponível para o governo Temer. Ele não teve nem popularidade nem preparo.
Pode-se afirmar que a inteligência do Estado não funcionou. O governo desprezou
a movimentação dos caminhoneiros e só percebeu o risco quando era tarde demais.
Ocorre, porém, que o setor de inteligência não estava treinado para esse novo
mundo, em que as lideranças não podem ser identificadas porque espocam
localmente, alimentadas por mensagens em redes sociais, e são menos guias que
intérpretes – quer dizer, podem ser desautorizadas no instante em que deixarem
de refletir a insatisfação geral. Essa condição, aliás, torna muito mais
difícil uma negociação.
Quase tudo que poderia dar errado
para o governo, nas negociações com os caminhoneiros, deu. Mas uma paralisação
convocada em seguida pelos petroleiros foi prontamente enfrentada com ações
para declará-la ilegal. E, por ação coordenada ou espontânea, os chefes
militares afastaram qualquer hipótese de insurgência contra o governo.
Aparentemente, a lição foi aprendida. Ao custo de 13 bilhões de reais em gastos
extras e ao risco de perder novamente a credibilidade da Petrobras, que mal
voltara a ser a maior empresa do país e já despencou do posto. Uma lição bem
cara, diga-se.
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