Amor Obscuro - Parte II

Eis um caminho traçado sem surpresas ou grandes planos, uma existência opaca.  Entretanto, percebi que toda claridade fora até então ausente em minha existência e no olhar daquela menina estava a cura para minha alma. A verdadeira luz revelou-se naquele dia, o que restara nas lembranças fora a escuridão.
Havia em meus ouvidos estampidos, rudes tambores do meu pobre coração... de tal forma ensurdecedores que minhas vistas quedaram-se turvas e, por fim, foram seus olhos, olhos fixos em mim, olhos iluminados, olhos ternos, sedutores e convidativos que  trouxeram-me à luz.  Eu a vi! Eu a desejei! E eu a teria!
Diáfana Ana!
Através de seu sorriso lembrei-me do dia em que descobri a palavra diáfana, cuja sedutora pronúncia escapava dos lábios de tal forma que não pudera conceber imagem para corresponder a tão surpreendente sentido e, naqueles lábios, tomara corpo a palavra; tudo o que outrora foram letras concretizara-se na figura de Ana. Diáfana Ana!  Viera com o pai, em busca da boneca perfeita. Eu teria como inspiração a sua face, a pele que faria inveja a mais fina porcelana. Meus olhos beberiam na mais divina suavidade para criar minha obra prima.
Desde então, esperava com inquietação doentia pelas tardes em que ela viria até mim e, enfim, depois de alguns dias de longa espera, eu mergulhei meus olhos em sua face para compor a mais perfeita boneca. Diáfana Ana.
Os dias passavam-se lentos. A peça poderia estar pronta há muito tempo. Mas tal fora minha obsessão pelo prazer de sua presença, que moldava peças diversas e, com o passar dos dias, me via mais e mais cercado por pálidos rostos de Ana. Faces que pareciam me espreitar indiferentes em seus esconderijos pela casa. Através das madrugadas insones eu as desmanchava ou ocultava pelo prazer de recomeçar e, a cada vez que sentia nas mãos os contornos de seu rosto na massa suave, estremecia.

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