A Maldade da Lei do Bem
Os legisladores brasileiros são
pródigos em criar leis que, no fim das contas, têm efeito oposto ao desejado
devido ao emaranhado de regras. Um exemplo é a chamada Lei do Bem, aprovada em
2005 para incentivar os investimentos privados em inovação. Em vigor desde
2007, a legislação prevê isenção fiscal às empresas que investem em projetos
científicos em parcerias com laboratórios públicos, como os de universidades
federais e estaduais. Mas a via-crúcis até o benefício é tão tortuosa que a lei
nunca pegou.
Universidade de São Paulo: só ela conseguiu recursos da lei de
incentivo
à inovação — e uma única vez
Só um contrato saiu do papel,
entre a fabricante de software paulistana Scopus e a Universidade de São Paulo.
“O enrosco começa no fato de que a lei serve a uma minoria de empresas”, diz
Feliciano Aldazabal, gerente da Consultoria F. Iniciativas, especializadas na
obtenção de benefícios fiscais. Pelo texto, só pode pleitear o benefício quem
paga impostos pelo sistema de lucro real, adotados apenas por empresas de
grande porte e por ser mais detalhado do que os outros regimes (o Simples e o
lucro presumido).
Quando a empresa cumpre esse
requisito, o projeto então deve ser aprovado por três instâncias, a começar
pela gerência do laboratório público parceiro. Depois é a vez de um comitê com
membros dos seguintes ministérios: o da Educação, Ciência e Tecnologia; e o da
Indústria, Comércio Exterior e Serviços. O grupo está desativado desde 2013, em
boa medida pela escassez de projetos que consigam superar tantas barreiras.
E
ainda há mais uma etapa: as empresas devem provas às Capes (órgão federal que
financia a ciência pública) que a parceria não vai reduzir a produção de
artigos científicos, principal meio de avaliação do trabalho dos laboratórios.
É uma exigência descabida numa era em que o conhecimento de ponta vem de
ecossistemas como o do Vale do Silício, na Califórnia, onde startups colaboram
com universidades como a de Stanford na inovação voltada para o mercado.
Desde 2015, os órgãos federais ligados à ciência buscam
alternativas para simplificar a lei. “Em tempos de crise fiscal, essa discussão
está empacada por resultar em menos arrecadação”, diz André Rauen, pesquisador
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Por enquanto, a Lei do Bem segue
com a maldade da burocracia.
Comentários