Morreu de Unha!
- Morreu de quê?
- De unha, o coitado!
- Morreu de unha?
- Moço, é surdo, é? Já não falei que morreu de unha? Por que tanta insistência? Era parente do falecido?
Acostumara-se a ver as procissões fúnebres, vizinho que era do cemitério. Gostava até! Era seu passatempo preferido adivinhar a importância do falecido pela quantidade de pessoas que acompanhavam o féretro, mas dificilmente descia até as sepulturas. Olhava da janela do quarto mesmo. Se naquele dia descera, foi porque ficou intrigado com os turbantes e com o colorido das roupas que mesclavam tons de alaranjado, branco e azul. As mulheres de olhos profundos e os homens de rostos hirsutos. Não eram brasileiros.
- Desculpe, não quis incomodar. Só fiquei intrigado. Pessoa tão boa, não é mesmo, como foi morrer de unha? Não dá para entender!
- E na lua-de-mel! Tão feliz, o coitado! Meses e meses planejando a viagem com a noiva, o desejo de conhecer o Brasil, para morrer assim, de unha! Se tivesse ficado na Índia, pelo menos poderíamos elevar sua alma para o céu; aqui não, aqui fica sepultado na terra, comendo barro!
- E a esposa, como está?
- E como poderia estar?! Traumatizada, não poderia ser diferente! Sente-se culpada, pensou até em suicídio. Mas quem poderia imaginar que tal coisa pudesse acontecer? Um acidente!
- Acidente?
- Claro! Ou você acha que foi premeditado? Conheço-a e sei que amava seu parceiro. Se há algum culpado nesta história, este só pode ser o famigerado do Vatsyayana.
- Que era o amante, suponho.
- De onde você é, o cara? Já não te disse que ela o amava? O tal do Vatsyayana é o cara que escreveu o tal do Kama Sutra. Conhece, não conhece? O finado aí era hindu, e buscava encontrar a satisfação sexual sem se tornar escravo do prazer. Por isso vivia lendo o tal livrinho milenar, estudando as posições, aprendendo a arte das preliminares.
- Sei... sei...
- Por isso que gosto tanto do meu marido, sabe? A gente se conheceu lá em Nova Délhi, ele é brasileiro, mas morava lá. Voltamos para o Brasil depois que casamos, na Igreja Católica, e aí sabe como é, né, homem casto, certo, não fica lendo essas coisas de Kama Sutra. A gente deita e entrega a alma. Pelo menos estamos vivos. Não fico que nem a coitada aí, tão novinha e já viúva.
- Desculpe a minha insistência, senhora, mas ainda não atinei com a idéia do cidadão aí ter morrido de unha. Foi infecção, tétano contraído ao ser arranhado pela esposa nos desvarios do amor?
- Asfixia!
- Asfixia?
- É! Aprendeu com Vatsyayana que as mulheres adoram ser beijadas nos pés. E matéria aprendida é matéria aplicada. Na noite de núpcias, antes mesmo de desnudarem-se, depois de terem acendido incensos pelo quarto e de terem deixado o aposento em sutil penumbra, o infeliz, naquele momento transbordando de felicidade – ora, veja só como são as coisas - , deitou a noiva sobre a cama e ajoelhou-se a seus pés. Entre a sucessão de beijos e juras, tirou-lhe os sapatos e passou a massagear com os lábios seus dedos. Ela delirava, jamais havia tido seus pés tratados com tanto carinho. E de repente, aconteceu! Estava morto! Havia engolido a unha.
- Engolido a unha?
- É, unha postiça, coisa de mulher que quer ficar ainda mais bonita para o marido no leito de núpcias. Ela bem que percebeu o coitado guinchando, debatendo-se, mas inexperiente como era, achou que fossem as tais “convulsões de amor”. Só percebeu quando o pobre caiu durinho no chão, morto.
Na manhã seguinte estava lá, matéria de jornal, notícias populares: “hindu morre asfixiado por unha postiça na noite de núpcias”.
- De unha, o coitado!
- Morreu de unha?
- Moço, é surdo, é? Já não falei que morreu de unha? Por que tanta insistência? Era parente do falecido?
Acostumara-se a ver as procissões fúnebres, vizinho que era do cemitério. Gostava até! Era seu passatempo preferido adivinhar a importância do falecido pela quantidade de pessoas que acompanhavam o féretro, mas dificilmente descia até as sepulturas. Olhava da janela do quarto mesmo. Se naquele dia descera, foi porque ficou intrigado com os turbantes e com o colorido das roupas que mesclavam tons de alaranjado, branco e azul. As mulheres de olhos profundos e os homens de rostos hirsutos. Não eram brasileiros.
- Desculpe, não quis incomodar. Só fiquei intrigado. Pessoa tão boa, não é mesmo, como foi morrer de unha? Não dá para entender!
- E na lua-de-mel! Tão feliz, o coitado! Meses e meses planejando a viagem com a noiva, o desejo de conhecer o Brasil, para morrer assim, de unha! Se tivesse ficado na Índia, pelo menos poderíamos elevar sua alma para o céu; aqui não, aqui fica sepultado na terra, comendo barro!
- E a esposa, como está?
- E como poderia estar?! Traumatizada, não poderia ser diferente! Sente-se culpada, pensou até em suicídio. Mas quem poderia imaginar que tal coisa pudesse acontecer? Um acidente!
- Acidente?
- Claro! Ou você acha que foi premeditado? Conheço-a e sei que amava seu parceiro. Se há algum culpado nesta história, este só pode ser o famigerado do Vatsyayana.
- Que era o amante, suponho.
- De onde você é, o cara? Já não te disse que ela o amava? O tal do Vatsyayana é o cara que escreveu o tal do Kama Sutra. Conhece, não conhece? O finado aí era hindu, e buscava encontrar a satisfação sexual sem se tornar escravo do prazer. Por isso vivia lendo o tal livrinho milenar, estudando as posições, aprendendo a arte das preliminares.
- Sei... sei...
- Por isso que gosto tanto do meu marido, sabe? A gente se conheceu lá em Nova Délhi, ele é brasileiro, mas morava lá. Voltamos para o Brasil depois que casamos, na Igreja Católica, e aí sabe como é, né, homem casto, certo, não fica lendo essas coisas de Kama Sutra. A gente deita e entrega a alma. Pelo menos estamos vivos. Não fico que nem a coitada aí, tão novinha e já viúva.
- Desculpe a minha insistência, senhora, mas ainda não atinei com a idéia do cidadão aí ter morrido de unha. Foi infecção, tétano contraído ao ser arranhado pela esposa nos desvarios do amor?
- Asfixia!
- Asfixia?
- É! Aprendeu com Vatsyayana que as mulheres adoram ser beijadas nos pés. E matéria aprendida é matéria aplicada. Na noite de núpcias, antes mesmo de desnudarem-se, depois de terem acendido incensos pelo quarto e de terem deixado o aposento em sutil penumbra, o infeliz, naquele momento transbordando de felicidade – ora, veja só como são as coisas - , deitou a noiva sobre a cama e ajoelhou-se a seus pés. Entre a sucessão de beijos e juras, tirou-lhe os sapatos e passou a massagear com os lábios seus dedos. Ela delirava, jamais havia tido seus pés tratados com tanto carinho. E de repente, aconteceu! Estava morto! Havia engolido a unha.
- Engolido a unha?
- É, unha postiça, coisa de mulher que quer ficar ainda mais bonita para o marido no leito de núpcias. Ela bem que percebeu o coitado guinchando, debatendo-se, mas inexperiente como era, achou que fossem as tais “convulsões de amor”. Só percebeu quando o pobre caiu durinho no chão, morto.
Na manhã seguinte estava lá, matéria de jornal, notícias populares: “hindu morre asfixiado por unha postiça na noite de núpcias”.
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