Exército dos EUA participará de exercício militar inédito na Amazônia a convite do Brasil
Exército brasileiro convidam EUA para participarem de um exercício militar na tríplice fronteira amazônica, entre Brasil, Peru e Colômbia
Tropas americanas foram
convidadas pelo Exército brasileiro a participar de um exercício militar na
tríplice fronteira amazônica entre Brasil, Peru e Colômbia em novembro deste
ano. Segundo o Exército, a Operação América Unida terá dez dias de simulações militares
comandadas a partir de base multinacional formada por tropas dos três países da
fronteira e dos Estados Unidos.
Descrita pelas Forças Armadas
como uma experiência inédita no Brasil, a base internacional temporária
abrigará itens de logística como munição, aparato de disparos e transporte e
equipamentos de comunicação, além das tropas. O Exército afirma que também
convidou "observadores militares de outras nações amigas e diversas
agências e órgãos governamentais".
A operação é parte do AmazonLog,
exercício militar criado pelo Exército brasileiro a partir de uma atividade
feita em 2015 pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na
Hungria, da qual o Brasil participou como observador. À BBC Brasil o Exército
brasileiro negou que a atividade sirva como embrião para uma possível base
multinacional na Amazônia, como aconteceu após o exercício da Otan citado como
base para a atividade.
"Não. Ao contrário da Otan,
a qual é uma aliança militar, o trabalho brasileiro com as Forças Armadas dos
países amigos se dá na base da cooperação", responderam porta-vozes do
Exército. "Com uma atividade como essa, busca-se desenvolver
conhecimentos, compartilhar experiências e desenvolver confiança mútua",
afirmou a corporação.
Apesar do ineditismo do comando
multinacional na região amazônica, esse não é o primeiro exercício mútuo entre
as Forças Armadas de Brasil e EUA no país. No ano passado, por exemplo, as
Marinhas das duas nações fizeram uma atividade preparatória para a Olimpíada no
Rio de Janeiro, envolvendo treinamentos com foco antiterrorismo.
Em 2015, um porta-aviões
americano passou pela costa do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro para
treinamento da Força Aérea Brasileira (FAB). Entre as metas da operação
prevista para novembro, segundo o Exército brasileiro, estão o aumento da
"capacidade de pronta resposta multinacional, sobretudo nos campos da
logística humanitária e apoio ao enfrentamento de ilícitos
transnacionais".
'Reaproximação'
A operação vem no esteio de uma
série de novos acordos militares pelas Forças Armadas de Brasil e Estados
Unidos e visitas de autoridades americanas a instalações brasileiras com o
objetivo de "reaproximar" e "estreitar" as relações
militares entre os dois países.
Em março, o comandante do
Exército Sul dos Estados Unidos, major-general Clarence K. K. Chinn, foi
condecorado em Brasília com a medalha da Ordem do Mérito Militar. O comandante
americano visitou as instalações do Comando Militar da Amazônia, onde a
atividade conjunta será realizada em novembro.
De acordo com a Defesa dos
Estados Unidos, o Exército Sul é responsável por realizar operações
multinacionais com 31 países nas Américas do Sul e Central. Exercício em
conjunto com EUA está previsto para novembro deste ano
Um dia antes de o Exército
americano inaugurar um centro de tecnologia em São Paulo para "desenvolver
parcerias com o Brasil em projetos de pesquisa com foco em inovação", em
24 de março, o Ministério da Defesa do Brasil e o Departamento de Defesa dos
EUA assinaram o Convênio para Intercâmbio de Informações em Pesquisa e
Desenvolvimento, ou MIEA (Master Information Exchange Agreement), na sigla em
inglês.
Na ocasião, o secretário Flávio
Basilio, da Secretaria de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa (Seprod)
afirmou que o documento funciona como "base para se estabelecer qualquer
tipo de cooperação bilateral com os Estados Unidos".
Acordos de intercâmbio como esse
não precisam de aprovação do Congresso Nacional. "É mais um passo no
sentido de nos reaproximar dos americanos, possibilitando parcerias importantes
na área tecnológica que representarão um incentivo importante para a nossa Base
Industrial de Defesa e para o País como um todo", disse o secretário.
Em 3 de abril, o Ministério da
Defesa anunciou em evento na embaixada americana que o Brasil e os Estados
Unidos desenvolverão "um projeto de defesa" em conjunto. O ministério
não respondeu aos pedidos de entrevista da BBC Brasil para comentar os acordos
fechados com os Estados Unidos e os detalhes sobre o projeto bilateral.
Já a embaixada dos Estados Unidos
em Brasília disse que o país "está satisfeito de ter sido convidado junto
a outras nações parceiras regionais para participar" do exercício na
Amazônia e que "busca expandir e aprofundar parcerias de defesa com o
Brasil".
"Durante o último ano, nós
finalizamos uma série de compromissos-chave relacionados a Defesa (entre EUA e
Brasil)", afirmaram porta-vozes da embaixada americana. "Olhando para
o futuro, outros acordos estão em discussão, incluindo suporte logístico,
testagem e avaliação em ciência e tecnologia e trocas científicas."
Em outubro, haverá um novo
encontro sobre a indústria de Defesa dos dois países, em Washington. O Exército
brasileiro também trabalha para organizar a ida de um batalhão de infantaria do
Brasil para treinamento uma brigada do Exército americano em Fort Polk, na
Lousiana, no segundo semestre de 2020.
Será a primeira vez que Brasil
vai montar uma base logística internacional, diz Exército
Tríplice fronteira
A base da atividade será a cidade
de Tabatinga (AM), que faz fronteira com Letícia (Colômbia) e Santa Rosa
(Peru). A BBC Brasil visitou a região no início desse ano - na ocasião,
militares e policiais federais disseram que não são capazes de evitar a
realização de atividades ilícitas como tráfico de armas e drogas pelos imensos
rios da região.
Mas apesar de citar crimes
transfronteiriços nos documentos do Amazonlog, o Exército afirmou que o foco da
atividade é de preparação para situações humanitárias. Questionada pela
reportagem sobre como as Forças Armadas dos EUA poderiam apoiar o Brasil em
áreas como violência e tráfico de drogas, armas e pessoas, a embaixada
americana afirmou que "o Brasil é um parceiro confiável e
respeitável", que as forças armadas dos dois países "têm áreas de
conhecimento e experiência que compartilham rotineiramente umas com as
outras" e que "a maioria das atividades bilaterais de cooperação em
defesa entre nossas forças armadas são trocas entre especialistas".
"É um exercício inédito no
âmbito da América do Sul. É a primeira vez que vamos montar uma base logística
internacional", diz o general Theofilo Gaspar de Oliveira, responsável
pelo Comando Logístico da Força, em Brasília, e um dos organizadores do AmazonLog.
"Um dos objetivos é fazer
uma fiscalização maior na região e criar uma doutrina de emprego para combater
os crimes transfronteiriços, que afetam aquela região na famosa guerra de
fronteira que hoje alimenta a nossa guerra urbana existente nos grandes centros",
afirma o general, em vídeo promocional do evento.
A aproximação das forças armadas
do Brasil e dos EUA já rendeu uma medalha da Ordem do Mérito Militar ao
major-general americano Clarence K. K. Chinn em março
Análise
Para o cientista político João
Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos e
ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, "a
aproximação do Exército brasileiro ao dos Estados Unidos sinalizaria uma
mudança de postura entre os dois países, que agora têm novos presidentes".
"Esta maior aproximação
seria uma ruptura do que vem acontecendo desde 1989, que é um afastamento dos
EUA pelo Exército do Brasil", diz Martins Filho. "No fim da Guerra Fria,
o Brasil se deparou com um país (EUA) que era aliado estratégico e que de
repente começou a agir de forma totalmente independente, como superpotência
única. Isso provocou uma reação de hiperdefesa da Amazônia e de
afastamento."
Ele cita o acordo para a
construção de submarinos com a França em 2011 e a compra de caças suecos em
2013 como exemplos desse afastamento e diz que, por ora, os anúncios entre as
Forças Armadas brasileiras e americanas não devem ser
"superestimados". "Do discurso para a prática há sempre um
intervalo", diz.
Para especialistas, a aproximação dos EUA pode ser motivada por interesses econômicos
Fundador e líder do Grupo de
Estudos de Defesa e Segurança Internacional da Unesp e coordenador de Segurança
Internacional, Defesa e Estratégia da Associação Brasileira de Relações
Internacionais, o filósofo Héctor Luis Saint Pierre "diverge
gentilmente" do colega. Saint Pierre cita a atenção dos Estados Unidos
sobre a situação política na Venezuela - Donald Trump citou o país em conversas
com Michel Temer e com os presidentes da Argentina, Peru e Colômbia.
"Há um respeito na América
do Sul pela escola militar brasileira. Então, o Brasil é um parceiro
estratégico para a formação doutrinária dos militares do continente. Se os EUA
têm a simpatia do Exército do Brasil, é mais fácil espalhar sua mensagem entre
os militares sul-americanos", diz. "Uma alternativa a ser pensada
seria uma intenção dos EUA de quebrar a expectativa de uma parceria sul-americana
neste momento político", diz. "A Venezuela é uma problema quase de
honra para os Estados Unidos."
Exercício em conjunto é encarado como base para futuros acordos bilaterais entre Brasil e EUA
O especialista também cita o
crescimento da China como produtor de equipamentos militares e armamento. "Há
uma grave preocupação nos EUA com o incremento do comércio da China com a
América Latina também em termos de armamento. Os EUA gastaram US$ 650 bilhões
com Defesa - a China gastou menos de 10% disso, mas ainda assim já esta
produzindo porta-aviões com bom nível tecnológico. Se os Estados Unidos
conseguem se aproximar o Brasil para sua zona de influência, eles estancam este
prejuízo", afirma.
Para o professor, a aproximação
americana também poderia ser motivada por interesses econômicos. "Tenho
notado oficiais defendendo a tese de que não precisamos de autonomia
tecnológica nas Forças Armadas se podemos contar com parcerias com países como
os Estados Unidos. Normalmente se imagina que um oficial militar, do país que
for, seja um nacionalista. Mas essa é uma perspectiva liberal nas Forças
Armadas que vem ganhando força."
O professor explica: "Hoje a
questão estratégica está subordinada ao negócio. A indústria do armamento é a
que mais floresce no mundo. Não é preciso uma guerra: a ameaça de guerra já é
suficiente para mover este tipo de negócio. Muitas atividades militares,
inclusive, são muito mais guiadas pelos negócios militares do que por uma lógica
política", afirma.
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